quinta-feira, 11 de março de 2010

Entre a dor e o nada




Não quero defender as relações falidas e que só fazem mal, nem estou sugerindo que as pessoas insistam em sentimentos que não são correspondidos, em relacionamentos que não são recíprocos, mas quero reafirmar a minha crença sobre o quanto considero válida a coragem de recomeçar, ainda que seja a mesma relação; a coragem de continuar acreditando, sobretudo porque a dor faz parte do amor, da vida, de qualquer processo de crescimento e evolução.

Quando você se perguntar “do que adianta amar, tentar, entregar-se, dar o melhor de mim, se depois vem a dor da separação, do abandono, da ingratidão?”, pense nisso: então você prefere a segurança fria e vazia das relações rasas?

Então você prefere a vida sem intensidade, os passos sem a busca, os dias sem um desejo de amor?

Você prefere o nada, simplesmente para não doer?

Não quero dizer que a dor seja fácil, mas pelo amor de Deus, que me venha a dor impagável do aprendizado que é viver.

Que me venha a dor inevitável à qual as tentativas nos remetem.

Que me venha logo, sempre e intensa, a dor que me ensina a amar melhor...

Prefiro o escuro da noite a nunca ter me extasiado com o brilho da Lua...

Prefiro o frio da chuva a nunca ter sentido o cheiro de terra molhada...

Prefiro o recolhimento cinza e solitário do inverno a nunca ter me sentido inebriada pela magia acolhedora do outono, encantada pela alegria colorida da primavera e seduzida pelo calor provocante do verão...

E nesta exata medida, prefiro a tristeza da partida a nunca ter me esparramado num abraço...

Prefiro o amargo sabor do “não” a nunca ter tido coragem de sair da dúvida...

Prefiro o eco ensurdecedor da saudade a nunca ter provado o impacto de um beijo forte e apaixonado... daqueles que recolocam todos os nossos hormônios no lugar!

Prefiro a angústia do erro a nunca ter arriscado...

Prefiro a decepção da ingratidão a nunca ter aberto meu coração...

Prefiro o medo de não ter meu amor correspondido a nunca ter amado ensandecidamente.

Prefiro a certeza desesperadora da morte a nunca ter tido a audácia de viver com toda a minha alma, com todo o meu coração, com tudo o que me for possível...

Enfim, prefiro a dor, mil vezes a dor, do que o nada...

Não há – de fato – algo mais terrível e verdadeiramente doloroso do que a negação de todas as possibilidades que antecedem o “nada”.

E já que a dor é o preço que se paga pela chance espetacular de existir, desejo que você ouse, que você pare de se defender o tempo todo e ame, dê o seu melhor, faça tudo o que estiver ao seu alcance, e quando achar que não dá mais, que não pode mais, respire fundo e comece tudo outra vez...

Porque você pode desistir de um caminho que não seja bom, mas nunca de caminhar...

Pode desistir de uma maneira equivocada de agir, mas nunca de ser você mesmo...

Pode desistir de um jeito falido de se relacionar, mas nunca de abrir seu coração...

Portanto, que venha o silêncio visceral que deixa cicatrizes em meu peito depois das desilusões e dos desencontros...

Mas que eu nunca, jamais deixe de acreditar que daqui a pouco, depois de refeita e ainda mais predisposta a acertar, vou viver de novo, vou doer de novo e, sobretudo, vou amar mais uma vez.

Texto de Rosana Braga

quinta-feira, 4 de março de 2010

O dia em que Jupiter encontrou Saturno


"...- Alguma coisa se perdeu.
- Onde fomos, onde ficamos?
- Alguma coisa se encontrou.
- E aqueles guizos?
- E aquelas fitas?
- O Sol já foi embora.
- A estrada escureceu. Mas navegamos.
- Sim. Onde está o Norte?
- Localiza o Cruzeiro do Sul.
Depois caminha na direção oposta.
(Silêncio)...

- Vou te escrever carta e não mandar.
- Vou tentar recompor teu rosto sem conseguir.
- Vou ver Júpiter e me lembrar de você.
- Vou ver Saturno e me lembrar de você.
- Daqui a vinte anos voltarão a se encontrar.
- O tempo não existe.
- O tempo existe, sim, e devora.
- Vou procurar teu cheiro no corpo de outra mulher.
Sem encontrar, porque terei esquecido. Alfazema?
- Alecrim. Quando eu olhar a noite enorme no Equador, pensarei se tudo isso foi um encontro ou uma despedida.
- E que uma palavra ou um gesto, seu ou meu, seria suficiente para modificar nossos roteiros.

(Silêncio)

- Mas não seria natural.
- Natural é as pessoas se encontrarem e se perderem.
- Natural é encontrar. Natural é perder.
- Linhas pararelas se encontram no infinito.
- O infinito não acaba. O infinito é nunca.
- Ou sempre.

(Silêncio)...



"Caio F. Abreu. / Retirado do livro: Morangos Mofados.